quinta-feira, junho 23, 2005

AO BRAVO POVO BOLIVIANO, (...) AOS COMPANHEIROS REVOLUCIONÁRIOS DE TODO O MUNDO"

“Ao bravo povo boliviano;
Aos militantes dos movimentos sociais brasileiro e latino-americanos.
Aos companheiros revolucionários em todo o mundo.”

Comunicado da União Popular Anarquista UNIPA # n º08 – Rio de Janeiro,
Junho de 2005

A crise política iniciada em maio de 2005 na Bolívia se encaminhou no
sentido da formação de uma situação pré-revolucionária. As mobilizações
populares massivas culminaram com o cerco da capital La Paz pelo
movimento
de massas, com o bloqueio das principais estradas do país (paralisado à
circulação de mercadorias e a economia do pais) e renúncia do
presidente
Carlos Mesa; depois com ataques ao Congresso Nacional do País, durante
o
impasse gerado pela sucessão presidencial.
Uma análise teórica de mais uma crise política na Bolívia é necessária.
Esta crise política na Bolívia se apresenta dentro de um ciclo de
crises
provocadas pelo ajuste dos paises latino-americanos aos regimes
econômicos
liberais, impostos pelo imperialismo internacional. O caso da Bolívia
serve para dar duas lições importantes ao proletariado internacional:
1º)
a primeira lição que o povo boliviano nos ensina é o da possibilidade
de
resistência popular as reformas liberais e reversão de certas medidas
desfavoráveis ao povo, impostas pelas forças burguesas e suas aliadas,
através da ação direta de massas, das greves e lutas de rua; 2º) a
segunda, diz respeito as limitações que um movimento de massas sem uma
direção revolucionária guiadas por uma teoria e um programa claros e
bem
definidos.
O povo boliviano demonstra ser um povo guerreiro, com profunda
disposição
para a luta. Sua luta tem sido tão intensa que vem provocando
sucessivas
crises política no país, primeiramente a que levou a renuncia do então
presidente Gonzalo Sánchez de Lozada em 2003 e agora “Guerra do Gás”.
Por
outro lado, e contraditoriamente, apesar da força do movimento de
massas,
da pressão que política que exerce, este movimento não evoluiu, num
primeiro momento, numa direção revolucionária. E isto é extremamente
grave, porque a lógica do sistema capitalista indica que a repressão é
uma
variação proporcional a mobilização popular, o que significa que
conforme
a mobilização de massas cresça, a repressão se ampliará, de maneira a
culminar em uma Ditadura, que teria a missão de destruir os focos de
organização popular.
Neste sentido, é preciso fugir das meras saudações alusivas e analisar
a
crise na Bolívia de um ponto de vista materialista. Indicar quais as
possibilidades e debilidades do movimento de massas diante da atual
crise
política. È isto que faremos a partir do método materialista
bakuninista.

1- Caracterização da Situação e das Alternativas na Bolívia.

Primeiramente, devemos caracterizar a situação social em que a Bolívia
entre meados de maio e o dia 10/06/2005, quando a crise pareceu tomar
uma
definição. Podemos dizer que a Bolívia vive uma situação
pré-revolucionária. Isto porque: 1) existe uma grande mobilização
popular;
2) a economia do país se encontra paralisada devido a tal mobilização;
3)
se abriu uma crise política que levou a renuncia do presidente e a um
vácuo de poder; 4) choques diretos e constantes do movimento de massas
com
os aparelhos repressivos de Estado, polícia e exército.
O atual momento é uma situação pré-revolucionária e não uma situação
revolucionária. Isto porque, até agora o povo ainda não está em armas.
Esta é a única condição objetiva que falta para a formação de uma
situação
revolucionária. As condições subjetivas foram dadas pelo trabalho
político
de mais de 10 anos dos diferentes movimentos organizados de
trabalhadores.
O movimento de massas poderia precipitar por sua ação, a formação da
situação revolucionária (com a tomada de quartéis, por exemplo).
Caso este fator venha a se somar aos demais, uma situação
revolucionária
estará dada. E aí a responsabilidade pela vitória ou derrota do
proletariado boliviano estará nas mãos dos Partidos e Movimentos
Sociais
organizados. E somente uma ação política orientada por uma teoria e um
programa poderão levar à vitória do povo.
Neste momento, podemos dizer que duas alternativas formuladas pelos
movimentos de oposição ao Governo Carlos Mesa e ao Regime Liberal se
apresentam ante o povo boliviano e a história. Uma é a via reformista e
democrático-burguesa, representada pelos movimentos organizados em
torno,principalmente, do MAS de Evo Morales. Outra seria a via
revolucionária, virtualmente possível, mas que não poderíamos indicar a
existência de forças capazes de garanti-las na Bolívia hoje. Este é um
enigma.
A via reformista aponta como solução a convocação de novas Eleições e
de
uma Assembléia Constituinte. Este é o repertório clássico das oposições
democrático-burguesas. Diante de uma situação pré-revolucionária, fica
nítida a função conservadora da proposta reformista que irá desviar as
massas do rumo da tomada do poder.
A via revolucionária indicaria três soluções: 1) a insurreição geral
(modelo da revolução russa de 1917); 2) a guerra popular prolongada
(modelo da revolução chinesa e em parte também da revolução
vietnamita);
3) a guerra de guerrilhas de curta duração (modelo cubano e em parte, o
argelino). O problema é que nem toda situação revolucionária evolui no
sentido da revolução, ela pode retroagir para compromissos
inter-classes
ou mesmo ser dissolvida pela ditadura ou outra forma de repressão
burguesa.
Para que a via revolucionária se consolide, é preciso três condições
básicas: 1) a existência de um Partido Revolucionário ou pelo menos de
uma
Frente Revolucionária (como ensina o caso da Argélia) de atuação
nacional,
que garanta uma estratégia e direção unificada de luta e a
militarização
do movimento popular no momento correto; 2) a existência de um
Movimento
de Massas forte, influenciado por tal partido ou frente; 3) a
formulação
de um Programa, que possibilite a aglutinação das maiorias das massas
para
o assalto ao Poder.
É preciso saber se tais condições existem na Bolívia hoje. E caso não
existam, aí estarão provavelmente as razões dos impasses que o
proletariado boliviano irá enfrentar. O movimento de massas, que a
esquerda mundial deve saudar com entusiasmo, logo estará diante deste
impasse. Será preciso lançar uma ofensiva revolucionária, mas existirão
condições para tal?. Se existirem condições, o caminho preferencial
será o
da insurreição geral e se esta fracassar restará a guerra popular
prolongada. Mas ao que parece tais condições não existem. Um dos
principais líderes da oposição, Evo Morales, do MAS (Movimento ao
Socialismo), tem uma orientação programática reformista. Assim como
importantes organizações populares assinaram o “Pacto de Unidade”,
documento em favor da Assembléia Constituinte. Se aceitou desmobilizar
o
povo com acordo que garantiu a posse de Eduardo Rodríguez, presidente
da
Corte Suprema de Justiça, que irá convocar eleições gerais. A via
seguida
por setores importantes do movimento de massas é a via reformista.
Por outro lado não se pode sentar apaticamente afirmando não ser
possível
fazer nada ou apoiar a via reformista democrático-burguesa. Uma
revolução
não se faz de improviso, mas também não leva o mesmo tempo para ser
preparada que os diamantes levam para se formar. A classe trabalhadora
e
as organizações revolucionárias podem criar pela sua ação consciente e
organizada as condições necessárias à revolução.
Sem as condições indicadas acima, uma Insurreição Geral na Bolívia
teria
poucas chances de sucesso. A Guerra Popular Prolongada, que exigiria a
prévia formação de um exército popular, não se mostraria também viável.
Resta então a possibilidade de uma Guerra de Guerrilhas de Curta
Duração,
que poderia evoluir para uma insurreição geral ou para a guerra popular
prolongada ou para uma forma combinada das três.
A guerra de guerrilhas seria a alternativa mais viável nestas
circunstancias por dois fatores: 1) o caráter predominantemente
camponês
do movimento boliviano; 2) o baixo grau de desenvolvimento militar
necessário para tal; 3) o desgaste e desorganização do Estado
boliviano.
Assim, a melhor alternativa dentro da via revolucionária seria o
“modelo
cubano”, em que a revolução se produziu pela combinação da guerra de
guerrilhas de curta duração com as ações de massas.
Este modelo exigirá a tomada de uma série de medidas: 1º) formação de
um
partido e/ou frente revolucionária; 2º) aplicação de uma política
formação
de quadros políticos e de gestores econômicos; 3º) formação de um
organismo militar clandestino nas cidades; 4º) formação de grupos de
auto-defesa populares; 5º) formação de bases clandestinas no campo, que
servirão como focos guerrilheiros e embriões do exercito popular; 6º)
criação de uma Rede Internacional de Solidariedade (busca de apoio de
movimentos populares na AMÉRICA Latina, especialmente na Colômbia,
Venezuela e Equador); 7º) estabelecer o controle operário-camponês,
como
alternativa a mera “nacionalização”; 8º) formação das Comunas-Sovietes
como organismos de coordenação das lutas e atividades de
produção-circulação que estiverem sob controle proletário, que se
transformarão depois nas unidades territoriais de base do poder
popular. .
Estas medidas visam à formação de um duplo poder na Bolívia: o poder
das
organizações operárias e camponesas existindo em relação de tensão
permanente com o poder de Estado. Visam também ganhar tempo sem perder
espaço, para que o proletariado militante possa organizar suas forças
políticas e militares. Seria uma forma de tentar extrair o máximo da
atual
situação pré-revolucionária vivenciada pela Bolívia, sem incorrer em
precipitações que podem levar a derrota. Esta é a solução mais realista
(segundo o nosso entendimento), sendo pautada na análise da experiência
histórica concreta e nos dados disponíveis sobre a situação boliviana
hoje. Qualquer país que se encontre numa situação similar à da Bolívia
se
defrontaria com os mesmos impasses e alternativas.
Devemos fugir das analises românticas e voluntaristas. A vitória da
revolução boliviana depende de uma correta estratégia. Mas falta ainda
compreender como e por que apesar da formação de uma situação
pré-revolucionária, da força dos movimentos populares, a revolução pode
ser derrotada. Para isso, é preciso analisar a evolução do movimento
proletário, dos partidos políticos e suas principais idéias e
estratégias.

2- Ensinamentos da Bolívia para a Revolução Brasileira e
Latino-americana.

O que a Bolívia já ensinou, e ainda ensinará para o proletariado
brasileiro e latino-americano, é exatamente o grau da força em que o
movimento popular pode alcançar sem apontar necessariamente para a
ruptura
revolucionária. Neste sentido, podemos dizer que caso a situação na
Bolívia evolua para uma guerra civil ou seja contornada por acordos,
ela
nos dá as seguintes lições (que serão discutidas com maior profundidade
teórica em outras ocasiões):

- é preciso que o movimento de massas produza formas de consciência e
organização revolucionárias, que tenham uma teoria e um programa, e que
garantirão a direção revolucionária e a militarização do movimento de
massas no momento de eclosão das situações pré-revolucionarias. Como
afirmou Bakunin, “é necessária a existência de uma organização que
garanta
a direção revolucionária ao proletariado por uma preparação
prolongada”. A
existência de uma organização revolucionária baseada na unidade
teórica,
tática, responsabilidade coletiva e federalismo é fundamental ao
processo
revolucionário, assim como a constituição de um exército
revolucionário.
- caso esta pré-condição não se verifique, o proletariado será
imobilizado
pelas suas próprias contradições e capitulará ou será derrotado pela
repressão da burguesia. A revolução é a guerra, e somente pela guerra é
possível destruir o poder burguês. A burguesia sabe disso. A solução
contra a guerra revolucionaria é a ditadura. No sistema capitalista, a
ampliação da quantidade e qualidade da organização das massas tem como
contra-partida o aumento da organização burguesa. Conforme aumente
polarização social em torno de reivindicações materiais (como acontece
na
Bolívia com relação ao controle do Gás), a solução final sobre os
conflitos de classes somente será dado pela violência. A tendência
então é
que a ditadura seja a solução encontrada pela burguesia, mesmo que uma
“ditadura constitucional”, ditadura disfarçada sob mecanismos
democráticos, como já testemunhamos na América Latina. Quando o
movimento
de massas enfrenta uma situação pré-revolucionária, se ele não dispuser
de
organizações revolucionarias preparadas para tal, a burguesia terá
tempo
de reagrupar suas forças e lançar uma ofensiva para destruir o
movimento
de massas. É isso que a burguesia boliviana tenta fazer ao reunir o
Congresso Nacional em Sucre, e ao deslocar tropas do exército para a
capital do país, La Paz, e fazer acordos para garantir eleições, ao
mesmo
tempo em que Vaca Diéz, do MIR, tenta articular saída “militares”. Os
acordos dão tempo para o Estado boliviano se reorganizar e desarticular
o
movimento popular pela repressão e cooptação.

- uma outra lição, é a que mostra o potencial revolucionário do
campesinato e a importância das contradições étnicas para a luta de
classes. A crise econômica da Bolívia está diretamente ligada à
desigualdade social entre uma massa de camponeses indígenas e uma
burguesia criolla que controla a agroindústria. Na atual etapa do
capitalismo mundial, a América Latina ocupa um lugar periférico na
divisão
internacional do trabalho, uma posição fundamentalmente
agrário-exportadora, como é o caso da Bolívia. As contradições
econômicas
entre burguesia rural e campesinato e proletariado rural ganham
dimensão
estratégica. O caso da Bolívia indica que as nossas análises contida no
documento “A Revolução Social no Brasil” (2004), e “As Reformas do
Governo
Lula e a Tarefas do Proletariado” (2005), pelo menos ainda na atual
conjuntura, estão corretas.

A atual situação da Bolívia merece a atenção do proletariado
internacional. Devemos apoiar, mas também interpretar teórica e
criticamente todos os passos dos movimentos de massas. Esta crise na
Bolívia oferece lições importantes para a revolução brasileira. Também
serve para mostrar a função da teoria bakuninista na elucidação dos
principais problemas da revolução.

Classe Trabalhadora – Nem um Passo Atrás ! O Povo Vencerá !

http://www.unipa.cjb.net

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