segunda-feira, setembro 20, 2010

Código Praxe Académica. Integração?

No código da praxe, documento sem qualquer legitimidade jurídica, constam uma série de artigos que visam impor aos e às estudantes Universitári@s a “lei” da ignorância e da submissão. Basta abrir o supracitado manual de obediência cega para se perceber o universo cavernoso e medieval das práticas a que se destina.

Comecemos pela hierarquia, (note-se que as “patentes” mais elevadas se destinam aos e às que conseguirem chumbar um maior número de vezes) e que as várias designações se podem resumir (segundo o código de Praxe) em, alun@s com uma matricula –ANIMAIS - e alun@s com mais matriculas- DOUTORES/AS. Logo aqui é possível verificar que na praxe as relações não se estabelecem de todo com base na igualdade e respeito mútuos.

Além da hierarquia, este código contém uma série de punições que servem supostamente para “domesticar”, principalmente aqueles e aquelas que são designad@s por animais (embora as sanções não excluam outr@s). Por exemplo, e citando o código, artigo nº18 “a) É vedada aos bichos vestindo Capa e Batina a transposição da Porta Férrea ou porta de qualquer Faculdade. b) No caso de infracção o bicho será montado por um caloiro, por indicação de um doutor na PRAXE ou de veterano mesmo à futrica, desde o local onde se encontra até à Porta Férrea ou à porta principal da Faculdade, consoante os casos.”.

Este, entre outros casos, leva-nos inevitavelmente a questionar: Se o traje académico, segundo os defensores da praxe e da (falsa) tradição académica, é sinónimo de igualdade, porque é que o seu uso nalguns casos conduz a uma punição que prevê um retrocesso mental e físico da pessoa que o utiliza? A resposta surge-nos quase de imediato, de facto o traje não pode ser visto como uma forma de atenuar as discrepâncias sociais, uma vez que por si só cria desigualdades e hierarquias que atribuem diferentes estatutos às e aos estudantes e que submetem uns/umas em detrimento de outr@s.

Um aspecto que reflecte todo o “espírito” deste guia da irracionalidade e incoerência é o facto de surgirem uma série de artigos que se destinam a explicar como as pessoas que aderem à praxe se podem proteger dela. Ora, geralmente, as pessoas tendem a procurar protecção em caso de perigo, será que @s autores/as deste código estão sub-repticiamente a alertar @s leitores/as para o perigo da praxe? Ou será possível que a obediência cega @s tenha colocado demasiado fora da lógica ao ponto de cometerem tal incoerência despercebidamente? De facto, o acto de praxar implica um estado avançado de apatia cerebral que a médio prazo é mesmo capaz de conduzir à incapacidade de pensar, constituindo assim, uma ameaça e perigo à integridade física e psicológica daquelas/es que dela fazem parte.

A Praxe reproduz ainda uma série de preconceitos ao mesmo tempo que fabrica outros. Na verdade não se pode esperar muito daqueles e daquelas cujo passatempo é humilhar, e daqueles e daquelas cujo dia a dia se resume a obedecer. Ao passearmos a cidade, “principalmente agora que abriu a época de caça”, não é de estranhar que vejamos situações sexistas, homofóbicas, xenófobas, enfim… Será este o produto de uma formação designada como formação superior? Letras de “músicas” como “mulher gorda não convém a ninguém” ou, “Nós só queremos cuecas amarelas"

Sapatos com fivelas/Para ir à cona delas”, estas entre outras barbaridades, são entoadas um pouco por todo o país, o que esclarece e põe em evidência o nível de formação das pessoas ocupadas com a praxe. Assiste-se a uma estagnação dos indivíduos e do natural desenvolvimento psicológico que seria esperado numa altura como o ingresso no ensino superior.

O paternalismo, outra das características deste conjunto de práticas, tem o seu exponente máximo nas trupes que ditam e punem @s estudantes que se “encontrem na via pública” após o horário estipulado pelo código. Tendo em conta que até perante o Estado as pessoas a partir dos 18 anos são consideradas responsáveis pelos seus actos, parece no mínimo absurdo que sejam @s colegas a usurpar a autonomia d@s mais nov@s.

República das Marias do Loureiro.

Plataforma Anti Praxe Académica

Somos um grupo de pessoas que se organiza autónoma e livremente, lutamos para que as relações entre as pessoas se estabeleçam em igualdade e no respeito pela liberdade e autonomia individuais.

Defendemos uma universidade sem preconceitos nem hierarquias – sem praxe -! Politicamente interventiva, na qual cada uma tenha voz política activa, crítica e reivindicativa imprescindível para a mobilização e insubordinação perante o actual panorama político e socioeconómico neoliberal.

Lutamos pela não mercantilização do ensino e o livre acesso ao conhecimento numa universidade que promova a co-educação e políticas universitárias construídas com a participação igualitária de todas e todos as e os intervenientes (estudantes, professoras/es e funcionarias/os). Exigimos um ensino que compreenda o conhecimento enquanto desenvolvimento pessoal e intelectual e que promova a autonomia individual, a liberdade e o pensamento crítico.

Reivindicamos uma universidade que se insurja no combate a práticas que promovam qualquer forma de opressão, tal como o sexismo, o racismo ou o militarismo.

Por tudo isto, consideramos a praxe um instrumento de alienação que fomenta o acriticismo e a apatia no meio universitário, promovendo relações hierárquicas e valores conservadores, que atentam contra a dignidade e os direitos humanos.

Com o argumento da necessidade de integração, a praxe é um obstáculo à tua autonomia individual, desenvolvimento pessoal e intelectual plenos, fundamentais para a tomada de consciência crítica e activismo político e social comprometido com o combate às injustiças e desigualdades sociopolíticas e económicas. A praxe impõe sociabilidades que não se estabelecem através de relações espontâneas, verdadeiras e igualitárias e que promovem formas de convívio baseadas no consumismo, no paternalismo e no autoritarismo. No entanto, existem espaços de convívio sem praxe, onde somos livres e iguais e que mostram que as práticas praxistas são inúteis e obsoletas no desenvolvimento das relações entre as pessoas.

domingo, fevereiro 21, 2010

Tráfico de mulheres e crianças para fins de exploração sexual

Com a crescente globalização económica assiste-se ao crescimento explosivo da indústria sexual e consequentemente ao tráfico de mulheres e crianças. As causas são várias, desde a pobreza extrema causada pelas sociedades de mercado livre transnacional, onde as mulheres e crianças são as primeiras vítimas, até à perpetuação da cultura patriarcal e das sociedades heterofalocêntricas.Com isto queremos dizer, que ainda subsiste a dominação e subjugação das mulheres na maior parte das sociedades regidas e controladas sob uma visão masculinizante, heterossexual e branca.
Como afirma Maria Lúcia Leal (2002:31), existe "um projecto de sexualidade racionalizado pelo mercado violento da indústria sexual, cuja relação é fortalecida por uma oferta de mulheres e meninas( incluindo meninos) em situação de vulnerabilidade social, a uma demanda (especialmente masculina, pertencente a diferentes classes sociais) potencialmente voltada para o consumo de serviços sexuais pagos.(...) O que está em jogo é a satisfação do desejo sexual [ de homens] ( de propriedade do consumidor), o lucro e as relações de poder desigual instrumentalizadas sob a égide da exploração e dominação de classe, género, raça/ etnia e geração( crianças e adolescentes)."
Assim, o tráfico de mulheres e crianças não deve ser entendido como duas formas distintas de tráfico e é impossível não relacioná-lo com a prática da prostituição e o crescente desenvolvimento da indústria do sexo direccionada para homens.
Malka Marcovich refere que "as transformações geopolíticas dos últimos 20 anos, a globalização económica transnacional, a globalização da comunicação, entre outras coisas, favorecem a consolidação de novos discursos, que transformaram e perverteram a visão nascida da «libertação sexual» dos anos 70, para proveito de uma liberal comercialização das mulheres(...)em nome da modernidade e da liberdade, desenvolveu-se uma propaganda mundial que conduziu à vulgarização e ao ressurgimento de uma visão arcaica da sexualidade humana, fundamentalmente desigualitária, focalizada essencialmente no funcionamento mecânico do aparelho genital masculino, reactivando fantasmas sobre as pretensas necessidades irreprimíveis dos homens, veiculando ainda mais os estereótipos racistas e sexistas visando as mulheres de uma ou de outra origem."
As políticas dos Estados e as políticas fomentadas por instâncias internacionais como a ONU só recentemente iniciaram medidas de combate ao tráfico humano para fins de exploração sexual, desenvolvendo Protocolos e legislação, mas na realidade estas medidas não são verdadeiramente postas em prática, o que se reflecte, por exemplo, na interpretação e prática jurídica de vários Estados, nomeadamente o Estado português, sobre o tráfico de mulheres, que camuflam este fenómeno confundindo-a com a incitação à imigração ilegal, o que leva a que muitas mulheres vítimas de tráfico sejam consideradas imigrantes ilegais, e por isso punidas, enquanto os traficantes e proxenetas são apenas acusados de incitação à imigração ilegal e são impunes e livres de perpetuar o tráfico de mulheres e crianças.Este facto demonstra como a maior parte dos Estados de Direito são coniventes e compactuam com as práticas de tráfico humano e mais especificamente de mulheres e crianças, na sua maioria vítimas de tráfico sexual, dando prioridade às preocupações xenófobas para controlar a imigração em detrimento da defesa e garantia dos direitos e liberdades das mulheres e das crianças, para além dos interesses económicos gerados pelos lucros provenientes da indústria do sexo que subsiste do tráfico de mulheres e crianças e da sua exploração sexual. "Alguns estados e organizações legais estão, de maneira mais ou menos directa, associados a esta economia, o que torna por vezes impossível confiar na fiabilidade das estatísticas.Diversas agências internacionais afirmam que a exploração de seres humanos é muito mais rentável que os tráficos de armas e de droga e que as penas previstas para a primeira permanecem globalmente inferiores às que visam estes dois últimos."(Malka Malcovich)
A reacção político-económica e este fenómeno é reveladora, mais uma vez, das sociedades heterofalocêntricas que constroem e praticam os sistemas jurídicos que ainda relevam valores moralistas e discriminatórios em relação às mulheres, não dando primazia ao combate ao tráfico de mulheres e também crianças, na sua maioria dos sexo feminino.
A maior parte das mulheres e crianças traficadas são provenientes dos países pobres, os chamados países do terceiro mundo, e transportadas para os países ricos, principalmente da Europa, EUA e Austrália para ingressarem na indústria sexual. Contudo a prática da prostituição e consequente exploração sexual de mulheres e crianças está presente também nos países mais pobres, por exemplo, como forma de atracção turística- o chamado turismo sexual, além de que muitas mulheres e crianças dos países ricos também são raptadas ou coagidas a ingressar nas redes de tráfico para fins de exploração sexual.
O tráfico de mulheres e crianças é um fenómeno à escala mundial, colocando todas as mulheres e crianças sob a sua ameaça.