Com a crescente globalização económica assiste-se ao crescimento explosivo da indústria sexual e consequentemente ao tráfico de mulheres e crianças. As causas são várias, desde a pobreza extrema causada pelas sociedades de mercado livre transnacional, onde as mulheres e crianças são as primeiras vítimas, até à perpetuação da cultura patriarcal e das sociedades heterofalocêntricas.Com isto queremos dizer, que ainda subsiste a dominação e subjugação das mulheres na maior parte das sociedades regidas e controladas sob uma visão masculinizante, heterossexual e branca.
Como afirma Maria Lúcia Leal (2002:31), existe "um projecto de sexualidade racionalizado pelo mercado violento da indústria sexual, cuja relação é fortalecida por uma oferta de mulheres e meninas( incluindo meninos) em situação de vulnerabilidade social, a uma demanda (especialmente masculina, pertencente a diferentes classes sociais) potencialmente voltada para o consumo de serviços sexuais pagos.(...) O que está em jogo é a satisfação do desejo sexual [ de homens] ( de propriedade do consumidor), o lucro e as relações de poder desigual instrumentalizadas sob a égide da exploração e dominação de classe, género, raça/ etnia e geração( crianças e adolescentes)."
Assim, o tráfico de mulheres e crianças não deve ser entendido como duas formas distintas de tráfico e é impossível não relacioná-lo com a prática da prostituição e o crescente desenvolvimento da indústria do sexo direccionada para homens.
Malka Marcovich refere que "as transformações geopolíticas dos últimos 20 anos, a globalização económica transnacional, a globalização da comunicação, entre outras coisas, favorecem a consolidação de novos discursos, que transformaram e perverteram a visão nascida da «libertação sexual» dos anos 70, para proveito de uma liberal comercialização das mulheres(...)em nome da modernidade e da liberdade, desenvolveu-se uma propaganda mundial que conduziu à vulgarização e ao ressurgimento de uma visão arcaica da sexualidade humana, fundamentalmente desigualitária, focalizada essencialmente no funcionamento mecânico do aparelho genital masculino, reactivando fantasmas sobre as pretensas necessidades irreprimíveis dos homens, veiculando ainda mais os estereótipos racistas e sexistas visando as mulheres de uma ou de outra origem."
As políticas dos Estados e as políticas fomentadas por instâncias internacionais como a ONU só recentemente iniciaram medidas de combate ao tráfico humano para fins de exploração sexual, desenvolvendo Protocolos e legislação, mas na realidade estas medidas não são verdadeiramente postas em prática, o que se reflecte, por exemplo, na interpretação e prática jurídica de vários Estados, nomeadamente o Estado português, sobre o tráfico de mulheres, que camuflam este fenómeno confundindo-a com a incitação à imigração ilegal, o que leva a que muitas mulheres vítimas de tráfico sejam consideradas imigrantes ilegais, e por isso punidas, enquanto os traficantes e proxenetas são apenas acusados de incitação à imigração ilegal e são impunes e livres de perpetuar o tráfico de mulheres e crianças.Este facto demonstra como a maior parte dos Estados de Direito são coniventes e compactuam com as práticas de tráfico humano e mais especificamente de mulheres e crianças, na sua maioria vítimas de tráfico sexual, dando prioridade às preocupações xenófobas para controlar a imigração em detrimento da defesa e garantia dos direitos e liberdades das mulheres e das crianças, para além dos interesses económicos gerados pelos lucros provenientes da indústria do sexo que subsiste do tráfico de mulheres e crianças e da sua exploração sexual. "Alguns estados e organizações legais estão, de maneira mais ou menos directa, associados a esta economia, o que torna por vezes impossível confiar na fiabilidade das estatísticas.Diversas agências internacionais afirmam que a exploração de seres humanos é muito mais rentável que os tráficos de armas e de droga e que as penas previstas para a primeira permanecem globalmente inferiores às que visam estes dois últimos."(Malka Malcovich)
A reacção político-económica e este fenómeno é reveladora, mais uma vez, das sociedades heterofalocêntricas que constroem e praticam os sistemas jurídicos que ainda relevam valores moralistas e discriminatórios em relação às mulheres, não dando primazia ao combate ao tráfico de mulheres e também crianças, na sua maioria dos sexo feminino.
A maior parte das mulheres e crianças traficadas são provenientes dos países pobres, os chamados países do terceiro mundo, e transportadas para os países ricos, principalmente da Europa, EUA e Austrália para ingressarem na indústria sexual. Contudo a prática da prostituição e consequente exploração sexual de mulheres e crianças está presente também nos países mais pobres, por exemplo, como forma de atracção turística- o chamado turismo sexual, além de que muitas mulheres e crianças dos países ricos também são raptadas ou coagidas a ingressar nas redes de tráfico para fins de exploração sexual.
O tráfico de mulheres e crianças é um fenómeno à escala mundial, colocando todas as mulheres e crianças sob a sua ameaça.
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