No código da praxe, documento sem qualquer legitimidade jurídica, constam uma série de artigos que visam impor aos e às estudantes Universitári@s a “lei” da ignorância e da submissão. Basta abrir o supracitado manual de obediência cega para se perceber o universo cavernoso e medieval das práticas a que se destina.
Comecemos pela hierarquia, (note-se que as “patentes” mais elevadas se destinam aos e às que conseguirem chumbar um maior número de vezes) e que as várias designações se podem resumir (segundo o código de Praxe) em, alun@s com uma matricula –ANIMAIS - e alun@s com mais matriculas- DOUTORES/AS. Logo aqui é possível verificar que na praxe as relações não se estabelecem de todo com base na igualdade e respeito mútuos.
Além da hierarquia, este código contém uma série de punições que servem supostamente para “domesticar”, principalmente aqueles e aquelas que são designad@s por animais (embora as sanções não excluam outr@s). Por exemplo, e citando o código, artigo nº18 “a) É vedada aos bichos vestindo Capa e Batina a transposição da Porta Férrea ou porta de qualquer Faculdade. b) No caso de infracção o bicho será montado por um caloiro, por indicação de um doutor na PRAXE ou de veterano mesmo à futrica, desde o local onde se encontra até à Porta Férrea ou à porta principal da Faculdade, consoante os casos.”.
Este, entre outros casos, leva-nos inevitavelmente a questionar: Se o traje académico, segundo os defensores da praxe e da (falsa) tradição académica, é sinónimo de igualdade, porque é que o seu uso nalguns casos conduz a uma punição que prevê um retrocesso mental e físico da pessoa que o utiliza? A resposta surge-nos quase de imediato, de facto o traje não pode ser visto como uma forma de atenuar as discrepâncias sociais, uma vez que por si só cria desigualdades e hierarquias que atribuem diferentes estatutos às e aos estudantes e que submetem uns/umas em detrimento de outr@s.
Um aspecto que reflecte todo o “espírito” deste guia da irracionalidade e incoerência é o facto de surgirem uma série de artigos que se destinam a explicar como as pessoas que aderem à praxe se podem proteger dela. Ora, geralmente, as pessoas tendem a procurar protecção em caso de perigo, será que @s autores/as deste código estão sub-repticiamente a alertar @s leitores/as para o perigo da praxe? Ou será possível que a obediência cega @s tenha colocado demasiado fora da lógica ao ponto de cometerem tal incoerência despercebidamente? De facto, o acto de praxar implica um estado avançado de apatia cerebral que a médio prazo é mesmo capaz de conduzir à incapacidade de pensar, constituindo assim, uma ameaça e perigo à integridade física e psicológica daquelas/es que dela fazem parte.
A Praxe reproduz ainda uma série de preconceitos ao mesmo tempo que fabrica outros. Na verdade não se pode esperar muito daqueles e daquelas cujo passatempo é humilhar, e daqueles e daquelas cujo dia a dia se resume a obedecer. Ao passearmos a cidade, “principalmente agora que abriu a época de caça”, não é de estranhar que vejamos situações sexistas, homofóbicas, xenófobas, enfim… Será este o produto de uma formação designada como formação superior? Letras de “músicas” como “mulher gorda não convém a ninguém” ou, “Nós só queremos cuecas amarelas"
Sapatos com fivelas/Para ir à cona delas”, estas entre outras barbaridades, são entoadas um pouco por todo o país, o que esclarece e põe em evidência o nível de formação das pessoas ocupadas com a praxe. Assiste-se a uma estagnação dos indivíduos e do natural desenvolvimento psicológico que seria esperado numa altura como o ingresso no ensino superior.
O paternalismo, outra das características deste conjunto de práticas, tem o seu exponente máximo nas trupes que ditam e punem @s estudantes que se “encontrem na via pública” após o horário estipulado pelo código. Tendo em conta que até perante o Estado as pessoas a partir dos 18 anos são consideradas responsáveis pelos seus actos, parece no mínimo absurdo que sejam @s colegas a usurpar a autonomia d@s mais nov@s.
República das Marias do Loureiro.